Uma reportagem recente e alarmante da Folha de S.Paulo (Maio/2025), complementada por relatos como o divulgado pelo G1 em Campinas (Março/2025), lançou luz sobre uma crise que, infelizmente, não é novidade, mas continua a afligir inúmeros brasileiros: a intermitente e preocupante falta de medicamentos de alto custo no Sistema Único de Saúde (SUS). Desta vez, o foco recai sobre os pacientes com Esclerose Múltipla, uma condição que exige atenção contínua e tratamento especializado. O escritório Freitas & Trigueiro Advocacia acompanha de perto e com profunda preocupação este cenário, que representa um sério obstáculo ao direito fundamental à saúde e à dignidade humana.
Entendendo a Esclerose Múltipla: Uma Batalha Interna do Corpo
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica complexa, crônica e autoimune. Isso significa que o próprio sistema imunológico do paciente, que deveria defender o corpo contra agressores externos, passa a atacar equivocadamente estruturas saudáveis do sistema nervoso central (SNC) – cérebro, medula espinhal e nervos ópticos. O principal alvo desses ataques é a bainha de mielina, uma camada protetora que reveste as fibras nervosas, essencial para a transmissão rápida e eficiente dos impulsos nervosos.
Quando a mielina é danificada ou destruída (processo conhecido como desmielinização), a comunicação entre o cérebro e o restante do corpo é comprometida, podendo ser lentificada, distorcida ou até mesmo interrompida. Os sintomas da Esclerose Múltipla são variados e dependem da localização e da extensão das lesões no SNC. Podem incluir fadiga intensa, problemas de visão, dificuldades motoras, alterações sensoriais e cognitivas, entre outros, impactando significativamente a qualidade de vida.
O Papel Crucial dos Medicamentos Modificadores do Curso da Doença (MMCD)
O tratamento da Esclerose Múltipla evoluiu significativamente nas últimas décadas, principalmente com o desenvolvimento dos chamados Medicamentos Modificadores do Curso da Doença (MMCD). Essas terapias de alto custo são vitais, pois atuam de diferentes formas para:
- Reduzir a frequência e a gravidade dos surtos: Diminuem os episódios agudos de inflamação e o aparecimento de novos sintomas.
- Retardar a progressão da incapacidade: Ajudam a frear o acúmulo de danos neurológicos permanentes.
- Diminuir a atividade da doença vista em exames de imagem: Reduzem o número e o volume de novas lesões cerebrais e medulares.
Entre os medicamentos de alto custo frequentemente utilizados e que deveriam ser fornecidos pelo SUS para o tratamento da EM, podemos citar exemplos:
- Betainterferonas e Acetato de Glatirâmer: Considerados tratamentos de primeira linha, são injetáveis e atuam modulando a resposta imune, ajudando a reduzir a inflamação no sistema nervoso central.
- Teriflunomida e Dimetilfumarato: Opções orais que também atuam sobre o sistema imunológico, reduzindo a atividade inflamatória da doença.
- Fingolimode, Ozanimod, Siponimod: Moduladores do receptor de esfingosina-1-fosfato, são medicamentos orais que “aprisionam” certos tipos de células imunes nos linfonodos, impedindo-as de chegar ao cérebro e à medula espinhal para causar danos.
- Natalizumabe, Ocrelizumabe, Ofatumumab, Alemtuzumab: Anticorpos monoclonais, administrados geralmente por via intravenosa ou subcutânea, com mecanismos de ação mais específicos e potentes, direcionados a diferentes células ou processos do sistema imunológico envolvidos na EM. Têm demonstrado alta eficácia em reduzir surtos e progressão da doença, especialmente em formas mais ativas ou progressivas.
- Cladribina: Uma terapia oral de curta duração que atua seletivamente sobre os linfócitos, promovendo uma imunorregulação duradoura com poucos ciclos de tratamento.
Cada um desses medicamentos possui um perfil específico de indicação, eficácia e segurança, e a escolha do tratamento mais adequado é uma decisão médica individualizada, baseada no tipo de EM, atividade da doença, comorbidades e características do paciente.
O Impacto Devastador da Falta de Medicação e as Complicações da Interrupção do Tratamento
A ausência de medicamentos essenciais, como é o caso do fumarato de dimetila, cuja indisponibilidade tem sido um ponto crítico destacado nas reportagens, desencadeia um ciclo de consequências graves. A interrupção do tratamento da Esclerose Múltipla com um MMCD não é uma simples pausa; ela pode levar a complicações sérias e, muitas vezes, irreversíveis:
- Aumento do Risco de Surtos (Reagudizações): A principal função de muitos desses medicamentos é prevenir ou reduzir a frequência dos surtos. A interrupção do tratamento deixa o paciente desprotegido, aumentando significativamente a probabilidade de novas crises inflamatórias.
- Progressão Acelerada da Incapacidade: Cada surto pode deixar sequelas. A falta da medicação contínua pode acelerar o acúmulo de incapacidades neurológicas (motoras, sensitivas, visuais, cognitivas).
- Surgimento de Novas Lesões Cerebrais e Medulares: A atividade inflamatória descontrolada pode levar à formação de novas lesões, indicativas da progressão da doença.
- “Efeito Rebote” (em alguns casos): Com a suspensão de certos medicamentos, como o Fingolimode ou Natalizumabe, pode ocorrer um “efeito rebote”, com um retorno da atividade da doença de forma ainda mais intensa do que antes do início do tratamento.
- Piora de Sintomas Existentes e Perda de Qualidade de Vida: Sintomas que estavam controlados podem retornar com maior intensidade, impactando profundamente a capacidade do indivíduo de trabalhar, socializar e manter sua independência.
- Incerteza, Medo e Ansiedade Constantes: Pacientes e seus familiares vivem sob o espectro da progressão da doença.
- Desgaste Emocional e Financeiro Exaustivo: A busca por alternativas diante da falha do SUS pode ser devastadora.
O Direito Inalienável à Saúde e o Dever Constitucional do Estado
É imperativo reiterar que o acesso integral à saúde é um direito fundamental, assegurado pela Constituição Federal, e configura-se como um dever do Estado. Este dever se manifesta através do SUS, que deve garantir os meios necessários para o tratamento de doenças, incluindo o fornecimento dos medicamentos prescritos pelo médico responsável, mesmo aqueles de alto custo.
A Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90) é clara ao definir a “assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica” como um dos pilares do SUS. Portanto, a recusa, a omissão ou o atraso significativo no fornecimento de um medicamento essencial para um paciente com Esclerose Múltipla representa uma flagrante violação a esses preceitos.
O Que Fazer Diante da Falta de Medicamentos Essenciais no SUS?
Pacientes que enfrentam a angustiante indisponibilidade de seus medicamentos para Esclerose Múltipla no SUS não estão desamparados:
- Documentação Médica Detalhada e Robusta: É crucial possuir um laudo médico completo e atualizado, especificando o diagnóstico (com CID), o medicamento prescrito com seu nome, dosagem e posologia, a justificativa pormenorizada de sua imprescindibilidade para o quadro específico do paciente, o histórico de tratamentos anteriores, e a ineficácia ou inadequação de alternativas terapêuticas eventualmente disponibilizadas pelo SUS.
- Tentativa de Resolução pela Via Administrativa: Protocolar requerimentos formais junto aos órgãos competentes (Secretarias de Saúde, Farmácias de Alto Custo, Ouvidoria do SUS) é um passo importante.
- Busca por Assessoria Jurídica Especializada: Se a medicação não for fornecida administrativamente em tempo hábil, a intervenção judicial torna-se, frequentemente, a única alternativa eficaz. Um advogado especializado em Direito da Saúde poderá analisar a documentação e orientar sobre as medidas cabíveis.
Nosso Compromisso Inabalável com a Defesa do Paciente
O Freitas & Trigueiro Advocacia manifesta sua profunda solidariedade a todos os pacientes de Esclerose Múltipla e seus familiares afetados por esta crise de desabastecimento. Com uma atuação pautada pela técnica, pela ética e por uma abordagem humanizada, nosso escritório reafirma seu compromisso em lutar incansavelmente pela defesa do direito à saúde.
Se você ou um membro de sua família está enfrentando dificuldades para obter medicamentos de alto custo para Esclerose Múltipla ou qualquer outra condição de saúde através do SUS, não hesite em procurar orientação jurídica. Uma conversa inicial pode esclarecer seus direitos e os próximos passos a serem tomados.